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quarta-feira, 23 de março de 2011

Uma vida de privações

Restrição alimentar e problemas de fornecimento são alguns dos problemas enfrentados pelas famílias que têm que conviver com a alergia alimentar.

A mãe de Lucas, dois anos, comemorou no último dia das crianças uma vitória. Seu “chaverinho”, como se refere ao filho, ultrapassou, “finalmente os tão sonhados dez quilos”. O que parece ser um problema de desnutrição das regiões mais pobres do país, não é. Lucas desnutriu por conta de alergia alimentar múltipla, problema que assola a família desde o nascimento do pequeno. “Foram meses bem difíceis. Mas agora ele está em plana recuperação nutricional (13g/Kg/dia)”, explica Bianca Gouveia, mãe de Lucas, fisioterapeuta formada pela UCSal, especialista em terapia intensiva pela USP e fisiologia do exercício pela UNIFESP, além de presidente da Associação Baiana de Pais e Amigos de crianças com alergia Alimentar (Abapaa) e, atualmente, estudante do Curso de Nutrição, por conta do problema vivido em família. Segundo ela, o fato é para comemorar e muito. “Brinco que, daqui para o fim do ano, meu filho vai rolar de tão gordinho!” ri a mãe, satisfeita com a novidade.

Vitória de poucos - A vitória de Lucas e a condição que a família dele encontra para sobreviver com o problema, infelizmente, não acontecem da mesma forma entre outros pacientes. “Com três meses de idade, Giovana foi internada por cinco dias na UTI do Hospital São Luiz Anália Franco (SP) e, posteriormente, diagnosticada a alergia, mediante comprovação através de exames laboratoriais. Desde então, foi inscrita no programa AME e vinha recebendo a fórmula infantil especial NEOCATE”. Quem relata a história é a mãe de Giovana, Fabiana F. Gomes. Com o uso do NEOCATE a menina encontrava-se sem nenhum sintoma alérgico.

O que acontece com a maioria das famílias que lidam com a questão alimentar é que, uma lata dessa fórmula utilizada na alimentação de pessoas com alergia alimentar custa entre R$350,00 e R$ 500,00 e não dura mais que uma semana. O programa federal na qual a mãe de Giovana a inscreveu fornece uma quantidade de latas de aproximadamente 400 gramas cada, o que às vezes não supre a demanda alimentar. Fabiana conta que no mês de Setembro desse ano, o Governo disponibilizou um produto similar para a mesma finalidade, o AMINOMED, do laboratório alemão Comidamed, importado pela empresa CMW. “Após introdução desta fórmula, todos os sintomas da alergia voltaram: diarréia líquida, tosse, secreção, dermatite atópica, vômitos e barriga estufada”.

Fabiana procurou auxílio junto a pediatra da família que recomendou a suspensão imediata do AMINOMED e reintrodução do NEOCATE. Feito isto, a mãe observou que os sintomas desapareceram e filha melhorou, consideravelmente. “A pediatra comentou que a grande diferença entre os dois leites é que o substituto do NEOCATE tem óleo de peixe e muitas crianças com alergia a proteína do leite também tem essa restrição. No dia 29/09/2010, fui até a ouvidoria do Ministério da Saúde do Estado de São Paulo e soube que parte do lote do AMINOMED foi recolhido e que existem outras crianças na mesma situação que a minha filha. Foi-me dito ainda, com todas as letras, que o governo não iria mais comprar o NEOCATE, então Giovana ficará sem a fórmula já que ela não se adaptou ao Aminomed”, desabafa a mãe da criança que agora não sabe como proceder já que para comprar o NEOCATE ela precisará de um aporte de mais de seis mil reais mensais no orçamento familiar.

Direito assegurado - Um problema com o fornecimento das fórmulas já aconteceu no final do ano de 2009 na capital baiana, onde a Prefeitura Municipal do Salvador suspendeu a distribuição das latas às famílias das crianças portadoras de alergia, alegando problemas na licitação. Segundo Gouveia, presidente da Abapaa, as crianças que se alimentam exclusivamente dessa fórmula usam em média 15 unidades por mês. “A redução que tentaram implementar na época seria considerável, um total de cinco latas por família”, explica. Graças a ação da Abapaa, junto aos meios de comunicação, a situação foi regularizada em tempo de não causar problemas mais graves.

Contudo, o problema vai além das ações da Abapaa. Segundo a advogada especialista em Direito Médico-Hospitalar Marina Basile (BCM advogados) diz que não existe lei especifica para o caso. “O que é preciso entender é que a Constituição Federal de 1988 reservou um lugar de destaque para a saúde, tratando-a, de modo inédito no constitucionalismo pátrio, como um verdadeiro direito fundamental e estabelecendo, no art. 196, que ela é direito de todos e dever do Estado”.

Dessa forma, segundo a especialista o Estado deve garantir, “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A advogada explica ainda que, desse modo, dentro da chamada "reserva do possível", o cumprimento dos direitos sociais pelo Poder Público pode ser exigido judicialmente, “cabendo ao Judiciário, diante da inércia governamental na realização de um dever imposto, constitucionalmente, proporcionar as medidas necessárias ao cumprimento do direito fundamental em jogo, com vistas à máxima efetividade da Constituição. E com este fundamento que as mães de Giovana e Lucas podem ajuizar uma ação para garantir os direitos dos seus filhos”, orienta.

Dever do Estado - Basile acredita que se tem entendido, de forma quase pacífica na jurisprudência, que o direito à saúde, consagrado no art. 196, da CF/88, confere ao seu titular (ou seja, a todos) a pretensão de exigir diretamente do Estado que providencie os meios materiais para o gozo desse direito, como, por exemplo, o fornecimento do NEOCATE para a criança até quando for necessário, de acordo com o relatório médico. “As alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível deve ser sempre analisada com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. A especialista cita ainda o ministro Celso de Mello, que ao apreciar a petição 1.246-SC decidiu que:

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana.

Ausência de informações - Como se não bastasse todos os problemas já enfrentados, outra questão versa sobre a falta de informação nutricional de alguns produtos que não expõe claramente nos rótulos a existência de substâncias nocivas aos portadores de alergia. Segundo Basile, não existe uma legislação especifica sobre alérgenos. “Pela legislação brasileira as empresas produtoras de alimentos não são obrigadas a rotular em suas embalagens com a presença de alérgenos.

O que existe atualmente é a obrigatoriedade apenas da advertência na rotulagem dos alimentos que contem o glúten, proteína presente no trigo, malte e cevada, através da Lei Federal n° 8.543, de 23 de dezembro de 1992. A lei n.º 11.265/2006 acrescenta alguns itens, como leite, cevada, similares de origem vegetal, mas tão somente para produtos da primeira infância e lactantes”.

Segundo Basile, é um direto básico do consumidor a informação clara e precisa sobre os produtos adquiridos. Para Gouveia, todas as embalagens deveriam advertir com a frase “Contém o Alérgeno X”, ou então, “Pode Conter Traços do Alérgeno X”. Segundo ela, algumas empresas já apresentam essa informação nos seus rótulos, mas é uma parcela bem pequena da indústria. “Aquelas que agem dessa forma, expõem a informação em letras bem pequenas, no final de um monte de outras informações”, queixa-se.

Cuidados importantes - A Abapaa, orienta as pessoas que apresentam alergia alimentar a ligar para o SAC das empresas para descobrir se o alimento apresenta em sua composição as proteínas causadoras dos sintomas alérgicos. “E mais ainda”, ressalta a presidente da Associação, “se o alimento apresenta traços dos alérgenos ou contaminação cruzada (quando é feito em um mesmo maquinário o processamento de outros alimentos).” A presidente explica que mesmo que haja a limpeza da máquina, podem restar algumas proteínas que acabam adquirindo quantidades mínimas, mas suficientes, para desencadear alergia”, explica.

A Abapaa esclarece que o que cura a alergia é a dieta de restrição e não o uso de fórmulas especiais. Estas são utilizadas se não for possível a amamentação. Caso a mãe ainda amamente, deve-se estimular essa conduta.

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